sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Crise vocacional. Isto existe mesmo ou é um mito?

Na atualidade tornou-se deveras comum o discurso que se fundamenta na análise da pobreza e das estruturas de opressão. Com uma clara motivação ideológica, tais estudos são quase sempre superficiais e essencialmente destinados ao fracasso devido aos próprios intentos desejados. Dentro da Igreja, infelizmente, existem alas fortíssimas onde essa leitura não só se faz presente como ocupa importantes espaços em diversos campos eclesiásticos.


Desde o fim do Concílio Vaticano II, certas Congregações, embebidas numa visão segmentada e imperfeita dos documentos conciliares, abriram mão das próprias tradições internas – hábito, devoções, ritos – e, inclusive, da correta visão do carisma e da espiritualidade. O amor aos pobres, aos idosos, às crianças, aos enfermos etc, transformou-se num assistencialismo ideologizado muito distante da correta compreensão da mensagem evangélica. Enquanto outrora irmãos iam pelas ruas à procura dos excluídos, dando a eles o amor de Cristo, os Sacramentos e, em seguida, o auxílio ao corpo, se em outros tempos frades andavam pelo corredor dos colégios educando os jovens, dando a eles formação cristã e humana, hoje encontramos portentosas obras “sociais” administradas pelas Congregações, mas comandadas por um enorme séquito de leigos e com religiosos muito ocupados fazendo análises econômicas e sociológicas sobre a pobreza e a concentração de renda no país.

Claro que o estudo intelectual dos problemas que assolam o mundo moderno é importante e pertinente. Entretanto, existe uma total diferença entre adentrar no campo do estudo e preterir a vida espiritual e a própria doutrina tendo em vista uma compreensão totalmente ideologizada do que seja a pobreza e o pobre. Não ironicamente muitas dessas Congregações vivem uma triste realidade de poucas vocações. De fato, o que motiva a identificação do chamado com o carisma é a vivência plena – numa sadia radicalidade – do espírito inaugurado pelo Fundador inspirado por Deus. Não obstante, na atualidade encontramos não só o esvaziamento dessa riqueza espiritual como, influenciado pela ideologia marxista-libertadora, o rebaixamento e equiparação dos carismas. Por exemplo, viver a Paixão de Cristo tornou-se cuidar dos “crucificados” pelo capitalismo, amar os pobres e a pobreza transformou-se em engajamento de cunho político e motivação revolucionária, educar a juventude reduziu-se a infantilizar a fé e livrar-se de qualquer “arcaísmo” etc.

O que difere o camiliano que funda o hospital, o capuchinho que está nas ruas, o lassalista que abre instituições de ensino, da ONG e grupos de apoio aos mais necessitados é a motivação real e concreta; o amor a Jesus Cristo. Entretanto, essa experiência pessoal com Nosso Senhor, o motor que impulsiona os corações apaixonados, realiza-se através da vida espiritual e sacramental. Sem o equilíbrio necessário entre a relação vertical – Deus e homem – e horizontal – homem e homem – o ardor apostólico transforma-se em mero assistencialismo ordinário. O amor aos pobres inicia-se de joelhos diante do Sacrário!

A falta de percepção a respeito dessa realidade tão natural na vida religiosa foi causada pela má compreensão do Concílio Vaticano II. Entretanto, foi através da crescente influência da mentalidade marxista dentro das casas de formação que a ótica materialista galgou degraus nas comunidades religiosas. A Teologia da Libertação minou o espaço da oração, da vida sacramental, da ortodoxia doutrinária, e destacou a importância da “pastoral” e da práxis. Não obstante, o apostolado só é frutífero quando brota antecipadamente do espírito de piedade e contemplação. Ora, se não há vida interior a ação apostólica vai esvaziar-se de sentido e passará a se fundamentar na iniciativa meramente material de buscar a transformação social, a famigerada “libertação”.

As Congregações mais envoltas na perspectiva da Teologia da Libertação sofrem com uma grave crise de vocações. Ou não conseguem atrair os jovens ou só encontram espaço junto aos rapazes que procuram a vida religiosa como forma de ascensão e/ou esconderijo. Entretanto, falar de “crise vocacional” é uma afirmação temerária. Devemos, outrossim, analisar o quadro em sua amplitude. Diversas Congregações, Ordens e Institutos vivem um grande alvorecer de chamados; Monjas Carmelitas, Legionários de Cristo, Arautos do Evangelho, Toca de Assis, Arca de Maria, alguns conventos de Clarissas, Dominicanas, mosteiros Beneditinos, Cistercienses etc. O que há em comum entre todos eles? Podem ser considerados como religiosos que levam com radicalidade o carisma ao qual Deus os chamou, são coerentes com a vocação e trilham plenamente o chamado feito pelo Senhor. Logicamente, no testemunho da própria espiritualidade, o religioso é o chamariz da beleza do carisma por ele abraçado.

As Dominicanas de Nashville, as Carmelitas de Cotia, os Beneditinos de Núrsia, os Premonstratense de Oragen Country etc, não têm a mínima idéia do que seja “crise vocacional”; grande número de postulantes, noviços e simplesmente interessados. Para eles crise vocacional é, no máximo, falta de espaço. Cenário muito distinto de certas Congregações onde não há devoção eucarística, testemunho do carisma, oração, piedade e coerência com a espiritualidade e a vida do Fundador. A Conferência dos Bispos dos Estados Unidos realizou uma profunda pesquisa a respeito das vocações à vida religiosa, efetuada pelo Center for Applied Research on the Apostolate da Georgetown University. A análise disse, entre outras coisas, que “As instituições de maior sucesso em termos de atrair e reter novos membros são, no momento, aquelas que seguem um estilo mais tradicional de vida religiosa, em que os membros vivem juntos em comunidade, participam da Comunhão diária, recitam o Ofício Divino, fazem práticas devocionais, usam hábito religioso, trabalham juntos no apostolado comum e mostram ostensivamente a sua fidelidade à Igreja e aos ensinamentos do Magistério. Todas estas características são particularmente atraentes para os jovens que ingressam hoje na vida religiosa.”

Em sintonia com esse crescente aumento de vocações, a Inglaterra e o País de Gales têm visto o constante incremento do número de jovens que buscam concretizar o chamado de Deus no Sacerdócio. Obviamente, os frutos que hoje são colhidos refletem um trabalho muito bem articulado pelas dioceses da região. Em 2005, por exemplo, a Conferência da Inglaterra iniciou uma campanha ostensiva, com presença nas ruas e nos metrôs, com o slogan “Get Collared for the Challenge of a Lifetime”

O jovem que procura a vocação, inspirado por Deus, está sedento da identidade a qual o Senhor o chama. Assim, as Congregações que buscam apresentar um carisma distorcido, algo distante da cruz e do próprio testemunho estão fadadas a presenciar o próprio fim. Quão triste é olhar para a vida do Fundador e ao contemplar a sua fundação na atualidade não enxergar a continuidade e a vivência integral da novidade por ele trazida.

A crise de vocações é uma falácia e desconhecida para muitas Ordens, conventos e mosteiros. Os que mais divulgam a sua existência são os religiosos que abraçam - com a devoção que não têm à Igreja - as suas percepções distorcidas do que seja a fé e a experiência com Cristo. Afastam as vocações enquanto gritam que estão no caminho certo. É como o barco que afunda em alto mar enquanto o timoneiro grita “terra à vista”

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