Desejo partilhar com vocês, leitores deste blog, trechos de São Francisco
de Sales que fala a respeito de como a alma devota a Deus deve ser cuidadosa e
vigilante com as seduções do mundo. Resolvi colocar no blog este texto não
movido por um espírito de puritanismo. Puritanismo este que faz enxergar pecado
em cada situação da vida. Pelo contrário: motivou-me saber que os santos
deixaram caminhos e exemplos seguros no seguimento dos passos de Jesus Cristo.
Espero que a leitura das palavras deste Santo possa produzir frutos
espirituais.
“Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria
como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por
isso o mundo vos odeia.” João 15,19
“O mundo passa com as suas
concupiscências,
mas quem cumpre a vontade de Deus
permanece eternamente.” I João 2,17
Deus te abençoe.
O mundo sempre nos fará guerra
São Francisco de Sales
Assim que a tua devoção se for
tornando conhecida no mundo, maledicências e adulações te causarão sérias
dificuldades de praticá-la. Os libertinos tomarão a tua mudança por um
artifício de hipocrisia e dirão que alguma desilusão sofrida no mundo te levou
por pirraça a recorrer a Deus.
Os teus amigos, por sua vez, se
apressarão a te dar avisos que supõem ser caridosos e prudentes sobre a
melancolia da devoção, sobre a perda do teu bom nome no mundo, sobre o estado
de tua saúde, sobre a necessidade de viver no mundo conformando-se aos outros
e, sobretudo, sobre os meios que temos para salvar-nos sem tantos mistérios.
Tudo isso são loucas e vãs
palavras do mundo e, na verdade, essas pessoas não têm um cuidado verdadeiro de
teus negócios e de tua saúde: Se vós fôsseis do mundo, diz Nosso Senhor, amaria
o mundo o que era seu; mas, como não sois do mundo, por isso ele vos aborrece.
Vêem-se homens e mulheres
passarem noites inteiras no jogo; e haverá uma ocupação mais triste e insípida
do que esta? Entretanto, seus amigos se calam; mas, se destinamos uma hora à
meditação ou se nos levantamos mais cedo, para nos prepararmos para a santa
comunhão, mandam logo chamar o médico, para que nos cure desta melancolia e
tristeza. Podem-se passar trinta noites a dançar, que ninguém se queixa; mas
por levantar-se na noite de Natal para a Missa do Galo, começa-se logo a tossir
e a queixar de dor de cabeça no dia seguinte.
Quem não vê que o mundo é um juiz
iníquo, favorável aos seus filhos, mas intransigente e severo para os filhos de
Deus?
Só nos pervertendo com o mundo,
poderíamos viver em paz com ele, e impossível é contentar os seus caprichos –
Veio João Batista, diz o divino Salvador, o qual não comia pão nem bebia vinho,
e dizeis: Ele está possesso do demônio. Veio o Filho do Homem, come e bebe, e
dizeis que é um samaritano.
Se condescenderes com o mundo e
jogares e dançares, ele se escandalizará de ti; e, se não o fizeres, serás
acusada de hipocrisia e melancolia. Se te vestires bem, ele te levará isso a
mal, e, se te negligenciares, ele chamará isso baixeza de coração. A tua
alegria terá ele por dissolução e a tua mortificação por ânimo carrancudo; e,
olhando-te sempre com maus olhos, jamais lhe poderás agradar.
As nossas imperfeições ele
considera pecados, os nosso pecados veniais ele julga mortais, e malícias, as
nossas enfermidades; de sorte que, assim como a caridade, na expressão de S.
Paulo, é benigna, o mundo é maligno.
A caridade nunca pensa mal de
ninguém e o mundo o pensa sempre de toda sorte de pessoas; e, não podendo
acusar as nossas ações, condena ao menos nossas intenções. Enfim, tenham os
carneiros chifres ou não, sejam pretos ou brancos, o lobo sempre os há de
tragar, se puder.
Procedamos como quisermos, o
mundo sempre nos fará guerra. Se nos demorarmos um pouco mais no confessionário,
perguntará o que temos tanto que dizer; e, se saímos depressa, comentará que
não contamos tudo. Espreitará todas as nossas ações e, por uma palavra um pouco
menos branda, dirá que somos insuportáveis. Chamará avareza o cuidado por
nossos negócios, e idiotismo a nossa mansidão. Mas, quanto aos filhos do
século, sua cólera é generosidade; sua avareza, sábia economia; e suas maneiras
livres, honesto passatempo.
Abandonemos este mundo cego;
grite ele quanto quiser, como uma coruja para inquietar os passarinhos do dia.
Sejamos firmes em nossos propósitos, invariáveis em nossas resoluções e a
constância mostrará que a nossa devoção é séria e sincera. Os cometas e os
planetas parecem ter o mesmo brilho; mas os cometas, que são corpos passageiros,
desaparecem em breve, ao passo que os planetas brilham continuamente. Do mesmo
modo muito se parece a hipocrisia com a virtude sólida e só se distingue porque
aquela não tem constância e se dissipa como a fumaça, ao passo que esta é firme
e constante.
Demais, para assegurar os começos
de nossa devoção, é muito bom sofrer desprezos e censuras injustas por sua
causa; deste modo nós nos premunimos contra a vaidade e o orgulho, que são como
as parteiras do Egito, às quais o infernal Faraó mandou matar os filhos varões
dos judeus no mesmo dia de seu nascimento. Enfim, nós estamos crucificados para
o mundo e o mundo deve ser crucificado para nós. Ele nos toma por loucos;
consideremo-lo como um insensato.
São Francisco de Sales. Filoteia: Introdução à Vida Devota.
Petrópolis: Vozes, 2008. Ps. 363-367.
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